Reich Hoje: Da Repressão à Exaustão
- Luis Blanco
- 9 de abr.
- 2 min de leitura
No início do século XX, Wilhelm Reich diagnosticou uma sociedade autoritária, moralista e repressora. As instituições familiares, educacionais e religiosas operavam um bloqueio sistemático da espontaneidade corporal e afetiva. A repressão da sexualidade e da motilidade espontânea — o que Reich chamava de impulsos vegetativos primários — era a marca de uma cultura que cortava o ser humano de sua pulsação viva.
Reich localizou essa repressão no corpo: ela se expressava como couraça muscular, uma rigidez crônica que distanciava o indivíduo de seu próprio fluxo orgânico. Libertar o corpo, permitir sua entrega à pulsação e ao prazer, era, para ele, ao mesmo tempo, um gesto terapêutico, político e existencial.
Mas e hoje? Vivemos ainda sob repressão? Ou o paradigma mudou?

Do não-pode ao deve-poder
A cultura contemporânea já não diz abertamente "não pode". Ao contrário, ela afirma: "você deve poder tudo". Deve ser feliz, produtivo, criativo, sexualmente ativo, emocionalmente inteligente, conectado, presente — e tudo isso ao mesmo tempo.
Essa aparente liberdade produz um novo tipo de submissão: não mais à proibição, mas à autoexigência. O imperativo contemporâneo é: seja livre — e se não conseguir, a culpa é sua.
Reich pensava a repressão como imposição externa. Hoje, ela se manifesta como um controle interiorizado, associado ao desempenho e à exposição.
A nova couraça: excesso, velocidade e exaustão
A couraça muscular de Reich ainda existe, mas ganhou novas camadas:
Digitais: a atenção sequestrada por telas e estímulos constantes.
Simbólicas: crenças de que o corpo é sempre melhorável, corrigível.
Químicas: medicalização da dor, da angústia, da lentidão.
Performáticas: o corpo como vitrine, marca ou avatar.
Não se trata mais de bloquear o prazer — mas de exauri-lo por excesso. O corpo, sem tempo de metabolizar suas experiências, acelera, consome, fragmenta-se.
Essa nova couraça não se mostra como rigidez visível, mas como fadiga crônica, insônia, ansiedade difusa, queda de libido, desconexão afetiva, hiperatividade compensatória. A repressão mudou de linguagem — mas continua operando.
Da liberação à sustentação da presença
Se na época de Reich a tarefa era liberar o corpo da repressão moral, hoje a proposta da Integração Organísmica não é mais "liberar o prazer", mas sustentar a presença que o torna possível.
Trata-se de:
Restaurar o ritmo orgânico da respiração.
Reabrir a escuta das sensações internas.
Reconectar com a lentidão própria do corpo.
Reaprender a confiar na pausa, no silêncio e no vazio.
Sustentar a vibração, sem buscar performance.
A IO não busca reencenar uma revolução sexual, mas abrir espaço para uma reapropriação sensível do corpo vivo, em sua potência sutil, em sua sabedoria não verbal, em sua capacidade de sentir o mundo — antes de interpretá-lo ou respondê-lo.
Reich ainda pulsa — e pulsa mais quando relido
Reich permanece atual. Mas seu pensamento precisa ser ressintonizado com as formas contemporâneas de dominação: menos repressivas, mais invisíveis; menos verticais, mais difusas; menos morais, mais performativas.
A nova repressão é a exaustão.A nova liberdade é a compulsão.O novo sintoma é o corpo sem tempo, sem borda, sem repouso.
Por isso, a clínica somática da Integração Organísmica oferece mais do que técnicas: ela propõe um outro modo de vida — onde o corpo possa voltar a confiar em si, respirar sem vigilância, e pulsar com o mundo sem se fragmentar.
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