A Origem do Self em Wilhelm Reich e Suas Conexões Contemporâneas
- Luis Blanco
- 9 de abr.
- 4 min de leitura
Reich e a Origem do Self: uma perspectiva pulsátil e somática
Embora Wilhelm Reich não tenha formulado uma teoria explícita do 'Self', sua concepção de organismo vivo, pulsátil e autorregulador oferece uma base potente para compreendê-lo como um processo encarnado. O Self, nessa perspectiva, não é uma entidade abstrata ou mental, mas uma função viva e dinâmica que emerge da integração dos movimentos afetivos, corporais e relacionais.

Afeto, regulação e desregulação
Para Reich, o afeto é corporal, e sua regulação depende do livre fluxo energético. Quando há contenção, bloqueios ou ausência de campo relacional sintonizado, ocorre a desregulação afetiva. Isso leva à formação de couraças musculares e à dissociação. O Self, portanto, emerge como função da regulação afetiva encarnada, enraizada na capacidade do corpo de sustentar sua pulsação em relação com o ambiente.
O Self como expressão do campo organismo-mundo
Reich antecipa a noção de acoplamento estrutural de Maturana e Varela ao compreender que o Self não é interno ao indivíduo, mas uma função do campo organismo-mundo. O organismo se regula em contato, e a qualidade desse contato determina a emergência ou distorção do Self. Isso aproxima também da noção de intercorporalidade de Merleau-Ponty.
Conexões com Ferenczi, Winnicott, Maturana e Dzogchen
Ferenczi contribui com a noção de 'confusão de línguas', mostrando como a quebra do campo relacional precoce pode gerar fissuras no Self. Winnicott fala do verdadeiro Self como aquele que se desenvolve a partir de um ambiente suficientemente bom, ressonante com Reich. Maturana e Varela trazem a ideia do sistema nervoso como fechado e estruturado pela experiência relacional, o que reforça a noção do Self como função de acoplamento. O Dzogchen, por sua vez, oferece uma via contemplativa onde o falso eu se dissolve e o estado natural (rigpa) se manifesta como presença pura – o que pode ser compreendido como um estado de Self desidentificado, mas plenamente encarnado.
Conclusão: Self como função organísmica encarnada
O Self, à luz de Reich, é uma função viva, reguladora e relacional. Ele nasce da pulsação viva do organismo, da sua capacidade de estar em contato com o mundo e consigo mesmo. Quando essa capacidade é perturbada, surgem formas defensivas, máscaras e desconexões. O trabalho terapêutico, então, visa restaurar essa autorregulação, abrindo caminho para um Self presente, fluido e pulsante.
Ferenczi: Trauma e Confusão de Línguas na Formação do Self
Ferenczi foi um dos primeiros a propor que o trauma precoce — especialmente quando envolve uma ruptura do campo de confiança entre criança e adulto — pode fraturar a formação do Self. Sua noção de 'confusão de línguas' descreve como a criança expressa erotismo infantil (linguagem do carinho e da brincadeira) e recebe uma resposta sexual-adulta (linguagem do trauma), gerando desorganização no psiquismo. Para Ferenczi, o problema central não é o evento em si, mas a quebra da ressonância, a perda da confiança no outro como porto seguro. Essa perspectiva ressoa fortemente com Reich, para quem o ambiente relacional que bloqueia a expressão afetiva livre causa a formação de couraças. Ambos, ainda que com linguagens distintas, colocam o corpo no centro da experiência do trauma e da emergência do Self. Podemos dizer que Ferenczi antecipa Reich ao compreender que o afeto reprimido não desaparece, mas se inscreve no corpo e nos modos de relação futuros.
Winnicott: Holding, Verdadeiro Self e o Corpo Vivo
Winnicott amplia a noção de Self ao propor que sua gênese está profundamente enraizada na experiência do ambiente primário. A função do 'holding' — a capacidade da mãe ou cuidador de sustentar afetivamente o bebê — é fundamental para que o Self verdadeiro possa emergir. Quando o ambiente é suficientemente bom, o bebê pode se sentir real, habitar o corpo e expressar espontaneidade. Caso contrário, ele desenvolve um falso self adaptado. Essa visão se encontra com Reich no ponto em que ambos compreendem o corpo como sede da autenticidade, e a repressão ambiental como origem de defesas corporais. A diferença é que Winnicott descreve essa repressão em termos relacionais e afetivos, enquanto Reich a localiza também nos segmentos da couraça muscular. Ambos compartilham a visão de que o Self verdadeiro é pulsante, enraizado no corpo e na relação.
Maturana: Estrutura Fechada e o Self como Acoplamento Relacional
Humberto Maturana propõe que o sistema nervoso é estruturalmente fechado, ou seja, ele não recebe informações como objetos externos, mas se modifica a partir de perturbações em seu acoplamento com o ambiente. Isso implica que o Self não é um núcleo interno, mas uma configuração que emerge do acoplamento histórico do organismo com seu meio. Essa visão se alinha com Reich, que sempre viu o organismo como totalidade viva e ressonante, onde as experiências afetivas moldam profundamente sua estrutura. Maturana oferece uma base epistemológica para pensar o Self como uma função de acoplamento — não pré-existente, mas em constante devir. Essa perspectiva contribui para ampliar a Integração Organísmica como uma abordagem onde o Self não é uma essência a ser encontrada, mas um processo a ser vivido.
Dzogchen: Presença Pura e Dissolução do Falso Self
A tradição Dzogchen do budismo tibetano oferece uma perspectiva experiencial direta: o Self não é algo a ser construído, mas uma ilusão a ser reconhecida e dissolvida. No Dzogchen, a consciência natural é livre, não elaborada, sem centro nem identidade fixa. Essa experiência de presença não-dual ressoa com os estados de expansão que Reich descreve após a liberação das couraças. Podemos pensar que o Self, ao invés de ser eliminado, se torna transparente — uma função transitória que não se fixa. A Integração Organísmica pode integrar essa visão, não como fuga do corpo, mas como retorno ao corpo vivo, ao espaço interno silencioso que emerge quando há presença, pulsação e liberdade do ser.
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